sábado, 29 de janeiro de 2011


Arthur Gouvea, o alfaiate!

O alfaiate Arthur é uma espécie de guardião da Vila Xavier, pois está naquele mesmo lugar na Avenida Santo Antônio há muito tempo. Ele perde a conta dos cumprimentos que recebe. Ali viu passar diversas gerações. Vestiu centenas e centenas de homens com seus ternos costurados a mão.
Ele passou por diversas alfaiatarias renomadas da cidade como a do Rivadavia (Rivas), a do Lucilo Correa, entre outras. Mas começou mesmo na loja onde o irmão José era um dos sócios, a Telarolli.
Hoje ele não encontra eco em muitos profissionais. Para quem costura uma roupa sem retoques, não encontrar facilmente forro de cetim de qualidade e nem botão de paletó não é fácil.
Ele entende que as lojas não vendem mais esses aviamentos por que o alfaiate que tanto os utilizava é uma profissão em extinção e que os produtos podem ficar estocados nas lojas por falta de compradores.
Também a maioria que o procura em sua alfaiataria, a Gouvêa, é formada por homens cada vez mais obesos que não encontram ternos nas lojas. “Mas a gente quase se arrebenta de confeccionar roupas para obesos, imagine que vai mais de três metros de forro, e muitas vezes não querem pagar o preço”. Hoje ele costura ainda alguns ternos sob encomenda, mas as reformas de roupas não são recusadas. “Houve uma mudança com o decorrer dos anos. As pessoas não querem pagar o preço e os consertos rendem mais do que a confecção, pois não aparece quase nada”.
Arthur ainda conserva a antiga máquina Kaiser. “É no puro pé”, diz acrescentando que as máquinas modernas ajudam no caso da produção, no caso de fábrica de roupas, mas não no caso do alfaiate onde tudo é feito manualmente, pois o trabalho é artesanal.
Ele se lembra de um tempo em que na Rua 2 tinha alfaiate em praticamente todos os quarteirões. “Eram poucas as fábricas de roupa feita, como a Renner”.

O nome Arthur

Firmino Marques Gouvea, mais conhecido como Tutu nasceu no dia 31 de maio de 1933. Seu pai ao dar nomes aos filhos olhava primeiro na folhinha (calendário) católica. Assim, todos ganharam nomes de santos: Quirino, Elói, José, Antônio e ele, Firmino.
Mas quando chegou na hora de batizar o nosso personagem, o padrinho, o Borges, disse que só o faria se o menino fosse registrado com o nome que ele sugerisse: Arthur.
Mas o que fazer se ele já estava registrado? O padre Geronimo veio com a solução: colocar o nome sugerido na frente. Assim no batismo seu nome ficou Arthur Firmino, que para efeitos documentais como casamento não é válido. Tanto que quando foi se casar precisou tirar o batistério e explicar direitinho o que havia acontecido.
Arthur cresceu no bairro de São José. Morava nas proximidades do parque infantil, que na infância dele ainda era um campo de futebol. “Morava na Rua 7 e depois na 8. Me lembro que um dos meus irmãos fazia para mim carrinhos com lata de óleo. O quintal era grande e o prazer era brincar com água que escorria do tanque.”
Ele também se recorda que em sua meninice ia assistir aos jogos de futebol. O irmão Elói era goleiro reserva do Paulista, segundo ele, na década de 40 ou um pouquinho antes, e seu pai os levava para assisti-lo. “Eu assistia ao jogo de cima do muro do cemitério São Bento, pois não tinha dinheiro para entrar no campo.”
Quanto aos estudos fez a escolinha da Dona Cristina Machado por dois anos e meio e um ano e meio no grupo da Rua 7, na avenida São Paulo. “A escolinha que era paga (10 mil réis mensais) tinha licença para dar aula somente no primeiro e segundo ano, pois naquela época não se achava vaga no grupo”.
Arthur sempre trabalhou muito. São 68 anos de ofício, mas se recorda que uma época bastante complicada foi depois da Revolução de 64 onde ficou durante um ano sem ter um botão para pregar.Tudo estava parado.
Também vivenciou a época da I Guerra. “A gente via os alemães como bandidos. O que a gente lia nas revistas dizendo o que os alemães faziam, e a gente ainda molecote não acreditava que matavam judeu ‘a dar com pau’. Faltava tudo. Tinha a padaria do Passeto e era uma fila imensa para comprar pão com fubá, açúcar, sal, gasolina eram racionados”.
Ele diz que uma das lições aprendidas no Tiro Guerra e que possibilitou que conquistasse muitas coisas foi aprender a viver com o que se ganha. “Quem me ensinou isso foi o sargento Caminha”.

Alfaiataria

Em 1945 Arthur começou a trabalhar na Alfaiataria Telarolli, onde um dos irmãos, o saudoso José trabalhava. Sua mãe, para que não ficasse na rua, foi quem sugeriu para que fosse lá aprender o ofício. Tinha 11 anos. “Fiquei durante dois anos só chuleando na mão. Embora eu também pregasse botão, não aprendia nada, até que meu irmão que fazia paletó disse que eu passaria a ajudá-lo. Assim aprendi a fazer manga e arrematar. Depois aprendi a fazer calças. O aprendizado foi aos poucos”.
Assim ficou por ali até os 18 anos quando a alfaiataria teria que começar a pagar a sua aposentadoria. Com a sugestão de que ele mesmo a pagasse, Arthur foi em busca de novos horizontes e conseguiu emprego na Estrada de Ferro, onde seria contínuo. Não se esquece até hoje de que ganharia o mesmo que os amigos que já trabalhavam na EFA ganhavam, ou seja, 550 mil réis por mês. “Quando viram que iria realmente sair resolveram me passar a ganhar por peça, mas trabalhando em casa. Naquela época o alfaiate trabalhava das sete da manhã às onze da noite. No primeiro mês tirei 1300, no segundo 1200 réis. Ai minha mãe não deixou que eu trabalhasse na Estrada. Assim continuei trabalhando em casa. Fui comprando a minha bicicleta, juntando um dinheiro, comprei um terreno onde construi uma casa, depois uma lambreta”.
E assim, Arthur foi construindo a sua vida. Ele conta que a mãe sempre foi muito severa, mas justifica dizendo que foi uma pessoa muito sofredora que chegou da Itália vinda num navio. Durante a viagem o pai faleceu e foi jogado ao mar. Ao chegar ao Brasil, a mãe casou-se novamente. Assim, na família que a adotaram foi praticamente uma ‘escrava’. Mas uma mulher que nunca deixou de ensinar aos filhos os valores que julgava imprescindíveis ao ser humano.
Determinada sempre teve o desejo de aprender a ler e a escrever e realizou esse desejo quando tinha 50 anos.
José Marques Gouvea Filho e Maria Teixeira sempre o ensinaram que se deve ficar de olho nos filhos para que não aprendam o que não se deve, o que não presta.
Assim, Arthur, que é casado com Bonina Santoro Protter Gouvêa, professora aposentada do Sesi e pai de Arthur (engenheiro) e Sandra Protter Gouvêa (bióloga que atua na Embrapa e dá aulas na Unicep), com a ajuda da esposa sempre aplicou essa lição aos filhos.
De uma época em que os amigos se reuniam na esquina embaixo de um poste para bater papo. “Quando chegava às dez da noite a minha mãe já estava com um ‘berro’ nos chamando e ai se você não fosse”.
Hoje ele gosta de um servicinho para passar o dia. Mas ele não desiste nunca de trabalhar, embora a profissão não renda mais nada. “É triste ver uma profissão acabando. Uma profissão que exige que se molde à roupa ao corpo da pessoa, pois nenhuma pessoa é igual à outra”, diz ele que acredita a alfaiataria é na verdade uma arte


(Publicado em 2 de dezembro de 2010)